segunda-feira, 25 de julho de 2011

Crises revelam diferença entre democracias

Vaguinaldo Marinheiro


Uma comparação entre os escândalos no setor de transporte do governo federal brasileiro e o das escutas ilegais feitas por um tabloide no Reino Unido mostra uma enorme diferença entre as democracias dos dois países.

No Brasil, a presidente Dilma Rousseff pode se esconder e não dar explicações públicas sobre o caso. No Reino Unido, o primeiro-ministro David Cameron é obrigado a prestar contas de seus atos.

O escândalo brasileiro começou no dia 2 de julho, com reportagem da revista “Veja”. Já derrubou um ministro e assessores, mas Dilma ficou calada até ontem, quando falou com poucos jornalistas numa conversa que nem pôde ser gravada.

Ainda não respondeu por que nomeou o ministro, que preço paga para ter apoio de alguns partidos, o que pretende fazer para sanear o setor que, segundo o próprio governo, é uma eterna fonte de problemas.

O caso das escutas no Reino Unido é mais antigo. Começou em 2005, mas esquentou no dia 4 de julho, após reportagem do “Guardian” mostrar que o foco das escutas não eram apenas celebridades, mas vítimas de crimes como uma menina de 13 anos raptada e morta por um maníaco sexual.

Em 16 dias, Cameron teve de se explicar no Parlamento três vezes. Na última, na quarta-feira, foi questionado por quase três horas.

A prestação de contas é institucionalizada na democracia britânica. Desde 1961, toda semana o primeiro-ministro vai ao Parlamento, onde é interrogado sobre o que fez ou pretende fazer.

Medicas econômicas, de política externa, mudanças na saúde, educação, tudo pode ser tema das perguntas, e o premiê precisa estar preparado, com dados na ponta da língua.

O “Prime minister question time” é transmitido pela televisão, e depois uma transcrição de todas as perguntas e respostas é colocada no site do governo.

Além dessa obrigação, Cameron dá entrevistas coletivas com frequência e também exclusivas para meios de comunicação.

Há 14 meses no cargo, deu exclusivas para todos os principais canais de TV, rádios e jornais.

Muitos podem dizer que os dois países são muito diferentes, que no Brasil existe presidencialismo, enquanto no Reino Unido vigora uma monarquia parlamentarista. Mas transparência e prestação de contas ajudam a consolidar a democracia em qualquer modelo.

 
* Publicado na Folha de S.Paulo, em 23/07/2011.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Dilma roda o mesmo filme de Lula

Elio Gaspari

O primeiro grande escândalo do governo Lula estourou em fevereiro de 2004, 13 meses depois de sua posse. Custou o cargo a Waldomiro Diniz, subchefe da Casa Civil de José Dirceu. Ele fora filmado num achaque ao tempo em que dirigia as loterias do Rio de Janeiro. Até o dia em que deixou o Planalto, em janeiro passado, Nosso Guia foi perseguido por escândalos que se sucederam em intervalos regulares.

O governo Dilma Rousseff foi mais veloz. Seu primeiro escândalo estourou cinco meses depois da posse e custou o cargo ao chefe da Casa Civil, Antonio Palocci. Um mês depois, Dilma perdeu o ministro dos Transportes e o diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, o Dnit. (Em julho de 2003, quanto Lula tinha sete meses de Palácio, o mesmo Dnit deu-lhe uma pequena crise, com o ex-diretor financeiro acusando o ministro Anderson Adauto de favorecer a empreiteira Queiroz Galvão e sendo acusado de embolsar propinas.)

Deixando-se de lado o varejão da roubalheira, onde ficam contratos de serviços, de publicidade, ou despesas com cartões de crédito, mordomias e viagens, a crônica de nove anos incompletos de governo petista revelam que há nele uma engrenagem blindada, metódica e articulada de corrupção. Não há novos escândalos, há apenas novas erupções, beneficiadas por uma rotina em que uma crise só se exaure quando é substituída por outra, na qual estão personagens que passaram despercebidos na anterior.

O centro dessa rede fica no Palácio do Planalto, ora na Casa Civil, ora na coordenação política e sempre na coleta e repasse de doações. Quando Waldomiro Diniz foi apanhado, pouca gente sabia quem era Delúbio Soares. (Em janeiro de 2003, o tesoureiro do PT organizou uma festa numa fazenda de Buriti Alegre. Entre os convidados estava o deputado Valdemar Costa Neto, do PR, atual marquês do Ministério dos Transportes.)

Desde fevereiro de 2004 sabia-se que Delúbio pagava mesadas a deputados do PTB. Entre a crise de Waldomiro Diniz e a seguinte, com o vídeo de um pagamento de propina a um diretor dos Correios, passaram-se 15 meses. Bastaram mais quatro meses para que daí surgisse a palavra que mudaria a história do PT e do comissário José Dirceu: "mensalão".

O novo escândalo expôs o loteamento, pelo Planalto, de cargos nos Correios, Banco do Brasil, Instituto de Resseguros do Brasil, Furnas, bem como a manipulação, pela Casa Civil, dos fundos de pensão de estatais. Nos governos anteriores aconteceram episódios semelhantes, mas não tiveram a articulação e a blindagem conquistada pelo comissariado. Trinta e dois parlamentares acusados de ter participado do "mensalão" e de roubalheiras nas verbas da saúde tiveram um crescimento patrimonial de 32% entre 2002 e 2006.

O "mensalão" ainda não saíra no noticiário quando puxaram-se as pontas da administração do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, na Prefeitura de Ribeirão Preto. Era mais do mesmo. Negociando contratos de loterias na Caixa Econômica, Waldomiro Diniz propusera a empresários o serviço da consultoria de Rogério Buratti, ex-secretário de governo de Ribeirão, ex-sócio do chefe de gabinete do ministro da Fazenda. Incriminado por Buratti, Palocci agonizou durante um ano. Trazido de volta ao Planalto por Dilma, aguentou 23 dias de crise e saiu de cena sem contar quem eram os clientes que o tornaram milionário.

Burattis, Waldomiros, Delúbios, Erenices e até mesmo Pagots foram peças acessórias de uma máquina. Isso pode ser entendido quando se vê como saíram de cena. Delúbio, reintegrado recentemente à família petista, ensinou: "Faz parte da minha integridade não delatar ninguém". Na semana passada, o doutor Luiz Antonio Pagot fechou suas oito horas de silencioso depoimento com uma frase: "Sou um leal companheiro".

O escandaloso enriquecimento de Palocci foi substituído pelas propinas do Ministério dos Transportes. Como acontece desde o caso de Waldomiro Diniz, será esquecido, diante do próximo.

* Publicado na Folha de S.Paulo, em 17/07/2011.