Ban Ki-Moon
Acabamos de comemorar os 64 anos de um
documento que nasceu em dezembro de 1948 e mudou para sempre a visão de como
tratamos os membros da família humana.
A Declaração Universal dos Direitos
Humanos provocou uma mudança fundamental no pensamento global, afirmando que
todos os seres humanos, não alguns, não a maioria, mas todos nascem livres e
iguais em dignidade e direitos.
A luta para concretizar os ideais da
declaração é o cerne da missão das Nações Unidas. A comunidade internacional
tem construído um forte histórico de combate ao racismo, promoção da igualdade
de gênero, proteção das crianças e quebra das barreiras enfrentadas por pessoas
com deficiência.
Enquanto alguns velhos preconceitos
estão diminuindo, outros permanecem. Em todo o mundo, lésbicas, gays,
bissexuais e transgêneros (LGBT) são agredidos, às vezes mortos. Mesmo crianças
e adolescentes são insultados por seus pares, espancados e intimidados.
Pessoas LGBT sofrem no trabalho, em
clínicas e hospitais e nas escolas --os mesmos lugares que deveriam
protegê-los. Mais de 76 países continuam criminalizando a homossexualidade.
Muitas vezes já falei contra esta
trágica e injusta discriminação, e os desenvolvimentos positivos dos últimos
anos me encorajam a seguir lutando. Foram realizadas reformas em muitos países.
Na ONU, tivemos inovações históricas.
Em 2011, o Conselho de Direitos Humanos
adotou a primeira resolução da ONU sobre direitos humanos, orientação sexual e
identidade de gênero, expressando "grave preocupação" com a violência
e a discriminação contra as pessoas LGBT.
A Alta Comissária publicou o primeiro
relatório da ONU sobre o problema e o Conselho discutiu os resultados em 2012
--a primeira vez que um organismo da ONU fez um debate formal sobre o assunto.
Os ativistas ajudaram a abrir a porta. Não podemos deixar que se feche.
É um ultraje que tantos países continuem
criminalizando as pessoas só por amar outro ser humano do mesmo sexo. Em alguns
casos, novas leis discriminatórias estão sendo criadas. Em outros, essas leis
foram herdadas das potências coloniais. Leis enraizadas em preconceitos do
século 19 estão enchendo o século 21 de ódio.
Quando me encontro com líderes de todo o
mundo, levanto a minha voz e peço igualdade para os membros LGBT de nossa
família humana. Muitos líderes dizem que gostariam de poder fazer mais, mas
apontam a opinião pública como uma barreira para o progresso. Eles também citam
as crenças religiosas e os sentimentos culturais.
Respeito plenamente os direitos dos
povos em acreditar nos ensinamentos religiosos que escolheram. Isso também é um
direito humano. Mas não pode haver desculpa para violência ou discriminação,
nunca.
Entendo que pode ser difícil se levantar
contra a opinião pública. Mas só porque a maioria desaprova determinados
indivíduos, não dá direito ao Estado de reter seus direitos básicos.
A democracia é mais do que a regra da
maioria. Ela exige defesa das minorias vulneráveis diante de maiorias hostis.
Os governos têm o dever de desafiar o preconceito, não ceder a ele.
Todos temos um papel a desempenhar.
Desmond Tutu disse recentemente que a onda da mudança é feita de até um milhão
de ondulações. Ao celebrarmos os direitos humanos, vamos mais uma vez lutar
pela implementação da promessa da declaração: que eles sejam para todas as
pessoas --como foi planejado.
BAN KI-MOON, 68, diplomata
sul-coreano, é secretário-geral da ONU
Publicado na Folha de S.Paulo, em 04/01/2013.
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