terça-feira, 1 de março de 2011

Palpite infeliz

Abram Szajman


O presidente francês Nicolas Sarkozy enfrentou greves e protestos maciços contra sua reforma da Previdência. No plano externo, amarga derrotas, tais como a revolta popular que balançou a ditadura na Tunísia, apoiada pela França durante décadas.

Fatores de impopularidade que o levaram a produzir esta pérola em discurso sobre as metas do G20: "Nós queremos regulação dos mercados financeiros primários de commodities", disse, acrescentando que "se não fizermos nada, corremos o risco de revoltas por alimentos nos países mais pobres e de um efeito desfavorável sobre o crescimento econômico global".

A tentativa de se valer da presidência rotativa do G20, que a França detém em 2011, para criar fatos políticos que possibilitem manter a perspectiva de se reeleger no ano que vem levou Sarkozy a essa esdrúxula e perigosa ideia, que pode desviar o foco do grupo das 20 maiores economias do planeta, atualmente focado em criar mecanismos destinados a conter ou mitigar efeitos da guerra cambial.

Dirigida apenas ao G8, a proposta já teria o sabor de saudosismo colonialista, já que as potências centrais recorreram no passado a não poucas guerras e golpes de Estado para manter o controle das matérias primas em seus domínios ou áreas de influência.

Mas, no âmbito do G20, em que figuram e protagonizam países com imensos recursos naturais, como o Brasil, a iniciativa soa como provocação, que pede resposta à altura.

A primeira reação veio do diretor-geral da FAO (braço das Nações Unidas para agricultura e alimentação), Jacques Diouf, para quem "os preços mais altos e voláteis continuarão nos próximos anos se deixarmos de combater as causas estruturais dos desequilíbrios no sistema agrícola internacional".

Ele adverte que subsídios e tarifas sobre produtos agrícolas distorcem o equilíbrio entre oferta e procura nesse mercado, colocando o dedo na ferida: tem moral para falar de crise alimentar o país da União Europeia que mais subvenciona seus agricultores?

Durante séculos, os países periféricos foram constrangidos pelo liberalismo econômico, a se concentrar na exploração restrita de suas "vantagens comparativas", ficando à mercê de processo desigual de trocas que lhes exigia cada vez mais produtos primários para adquirir manufaturas que não produziam.

Agora, quando o crescimento da população mundial e da classe média nos países emergentes inverte a equação em benefício dos produtores de commodities, surge um esperto sugerindo melar o jogo de mercado, de modo a preservar os privilégios de um punhado de nações que até aqui se beneficiaram da exclusão da maioria em relação aos frutos do desenvolvimento.

Ao longo dos últimos 30 anos, o Brasil diversificou a produção agrícola, desenvolvendo a mais competitiva e tecnologicamente capacitada agricultura tropical do planeta, capaz de abastecer o mercado interno e exportar não só alimentos mas também energia renovável obtida a partir do etanol da cana-de-açúcar.

Não pode, assim, admitir uma manobra canhestra que afetaria também nossas commodities minerais e o petróleo do pré-sal.

O que o mundo precisa para exorcizar uma futura escassez de alimentos é a prevenção das catástrofes climáticas, acentuadas pelo aquecimento global, e o apoio em assistência técnica, crédito e seguro rural aos produtores dos países mais pobres. Parafraseando Noel Rosa, só há uma resposta justa para o absurdo proposto: "Quem é você que não sabe o que diz? Meu Deus do céu, que palpite infeliz".

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ABRAM SZAJMAN é presidente da Fecomercio (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo) e dos conselhos regionais do Sesc (Serviço Social do Comércio) e do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).
 
* Publicado na Folha de S.Paulo, em 24/02/2011.

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