sexta-feira, 13 de abril de 2012

A Grande Cruzada de Dilma

Rolf Kuntz


A presidente Dilma Rousseff levou à Casa Branca sua cruzada contra a política monetária dos bancos centrais dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, como se o presidente Barack Obama pudesse mandar o presidente do Federal Reserve( Fed),Ben Bernanke, parar de emitir dólares. Não pode, mas, se tivesse autoridade para mandar, provavelmente daria mais atenção a seu compatriota Paul Krugman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia. Krugman defende uma política monetária frouxa até a recuperação econômica se firmar. É preciso continuar emitindo, segundo ele, mesmo com o risco de uma inflação de 3% ou 4% (a taxa está em torno de 2%).Ele expôs essa opinião num artigo publicado na sexta-feira, três dias antes da peroração da presidente brasileira em Washington. Ela havia apresentado a mesma reclamação à chancelerAngela Merkel,como se a chefe do governo alemão tivesse autoridade para comandar o Banco Central Europeu. Merkel poderia batalhar, se quisesse, por um aumento do gasto público em seu país, mas teria de conseguir apoio num Parlamento avesso à expansão fiscal.

Obama enfrenta problema semelhante num Congresso dominado pela oposição e,além disso,o orçamento americano já embute um déficit previsto de US$ 1,3 trilhão, pouco mais de 8% do Produto Interno Bruto (PIB). Apesar de tudo, a mensagem levada à Alemanha poderia ter algum sentido prático. No caso da visita aos Estados Unidos, a história é diferente e a cobrança foiumato retórico e umtanto despropositado.

O discurso da presidente mereceria mais atenção se ela cuidasse um pouco mais de seu quintal, tratando mais seriamente do volume e da qualidade do gasto público. Também isso afeta a competitividade.

O ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota, acompanhou o tom da presidente. É preciso, segundo ele, examinar a questão do déficit brasileiro no comércio com os Estados Unidos. A secretária d eEstado Hillary Clinton poderia ter respondido com uma pergunta: porque o governo americano deveria discutir esse problema? Afinal, ninguém se mostrou preocupado com o saldo comercial entre 2000 e 2008, quando o Brasil foi superavitário.

O ministro Patriota mencionou também a mudança na composição das exportações brasileiras. Tem aumentado a importância das commodities no valor das vendas ao mercado americano e, segundo ele, é preciso “analisar muito seriamente” esse dado. De fato, a composição mudou, mas os manufaturados ainda representaram, no ano passado, 45,3% do valor das exportações para os Estados Unidos. Haviam correspondido a 51,6% em 2010, 59,8% em 2009 e 58,7% em 2008.Juntando-se os semimanufaturados, obtém-se o total das exportações industriais – 65,6% do valor global em 2011.

O Brasil tem tido problemas comerciais importantes com os Estados Unidos, mas ninguém pode acusar o governo americano de haver criado obstáculos à expansão do comércio bilateral nem de haver imposto, nos últimos anos,barreiras importantes aos manufaturados brasileiros.A indústria brasileira simplesmente perdeu oportunidades nos Estados Unidos – assim como em outros mercados desenvolvidos – porque Brasília deu prioridade a entendimentos comerciais com os parceiros emergentes e em desenvolvimento.

O governo disfarçou os custos dessa escolha usando a retóricada diversificação. Pura embromação, porque o Brasil é há muito tempo descrito como um “globalplayer”.A multiplicação dos parceiros ocorreria mesmo sem o palavrório ideológico. Além disso, o governo brasileiro, ao negligenciar Estados Unidos e Europa, desprezou mercados importantes para a indústria nacional. O novo parceiro número um do Brasil,aChina,consome vorazmente matérias-primas e compra quase nada de manufaturados.

Como complemento, a política industrial tem sido formada por muito discurso, muita fumaça e pouquíssima substância. OPrograma de Aceleração do Crescimento (PAC) avança muito devagar e seus número ssã oinflados com os financiamentos habitacionais. As obras de infraestrutura estão estagnadas. Mas o ministro da Fazenda insiste – e ontem voltou a esse tema – em apontar o “subsídio cambial” dos países concorrentes como o grande problema do Brasil. Nem ele parece acreditar nisso, porque continua criando uma porção de medidas – quase todas pontuais – na tentativa de animar a indústria e aumentar um pouco seu poder de competição.

O ministro de Relações Exteriores está certo quanto a um ponto:é preciso, sim, examinar os números recentes do comércio com os Estados Unidos.Mas é inútil procurar lá fora as causas dos problemas.Os obstáculos mais importantes são produzidos no País. Nesse campo, a autossuficiência brasileira é incontestável.


Publicado em O Estado de S.Paulo, em 11/04/2012.

Nenhum comentário:

Postar um comentário