Denis Russo Burgierman
Os chefes de Estado das Américas vão passar o fim de semana na linda Cartagena das Índias, na costa da Colômbia. O encontro promete as cenas de sempre: discursos sobre o bloqueio a Cuba, provocações de Chávez, sorrisos luminosos de Obama com o mar caribenho ao fundo.
Enquanto isso, a América Latina está se afogando em um banho de sangue. É o pedaço mais violento do mundo, bem mais do que a África. Dos 14 países com maior taxa de assassinatos, sete ficam na América Latina, a começar pelo primeiro da lista, El Salvador, onde a chance de morrer perfurado por uma bala é maior do que no Iraque em guerra.
O Brasil está olímpico competindo pelas posições do topo do ranking dos homicídios: é o 18º colocado, com 26 assassinados em cada 100 mil habitantes, mais que Palestina, Afeganistão e Moçambique. Em números absolutos, levamos o ouro: somos o país onde mais se assassina no mundo.
O motivo de tanta violência é claro como o mar do Caribe: a guerra contra as drogas.
Nos últimos 40 anos, desde que Richard Nixon sentava na cadeira de Obama, os Estados Unidos lideram uma ofensiva repressiva contra as drogas no continente inteiro.
As leis duras dão aos criminosos o monopólio de um mercado muito lucrativo, o que permite que eles sejam mais bem armados e bem pagos do que as forças de segurança.
O resultado é que os índices de violência vão às alturas. Paradoxalmente, o uso de drogas não para de crescer, por causa da falta de investimento em saúde e educação, já que o dinheiro está comprometido com armas e prisões.
A guerra contra as drogas é hoje o maior empecilho ao desenvolvimento latino-americano, afundando empresas, aumentando custos e estraçalhando o turismo. Mas, por muitos anos, nenhum político da região teve coragem de enfrentar esse problema -morriam de medo do grande irmão do norte e de perder votos nas eleições.
Isso começou a mudar. Mês passado, Otto Pérez Molina, presidente da Guatemala, sétimo país mais violento do mundo, defendeu que os países do continente comecem a conversar sobre soluções para o problema -incluindo aí a ideia de criar mercados controlados para a maconha, de forma a diminuir a lucratividade do tráfico e, consequentemente, o tamanho de suas armas.
Não pense que Perez Molina seja um bicho-grilo cabeludo: na verdade, ele é um general linha-dura que se elegeu dizendo que iria "esmagar os carteis com punho de ferro".
Mas ele não é burro. Sabe que não terá chance de vencer enquanto as nossas políticas de drogas enriquecerem o exército inimigo. Apoios à atitude corajosa de Molina pipocaram em países importantes, como Colômbia, México, Argentina, Uruguai e Chile.
Os Estados Unidos fizeram o que se espera deles: mandaram o vice-presidente dar uma bronca em Molina, fizeram pose de indignados. Estão jogando para a torcida: é ano de eleição e Obama não quer a fama de ser "mole com as drogas".
O ex-presidente da Colômbia, Cesar Gaviria, disse que a maioria dos principais oficiais do governo americano já sabe que a guerra contra as drogas foi um erro e que ela só não acaba porque está "funcionando no piloto automático".
No meio dessa confusão, um país é fundamental: o Brasil. Se Dilma apoiar claramente o debate, Brasil, México e Colômbia, as três maiores economias da América Latina, estarão do mesmo lado, defendendo a região de um banho de sangue. Isso precipitaria mudanças no mundo todo.
Mas o Brasil finge que não é com ele. O Itamaraty se recusou a comentar qualquer coisa, além de soltar uma vaga declaração de que o país "não se opõe ao debate". Nossos governantes devem estar ocupados demais escrevendo discursos sobre Cuba.
DENIS RUSSO BURGIERMAN, 38, jornalista, é autor do livro "O Fim da Guerra: a Maconha e a Criação de um Novo Sistema para Lidar com as Drogas" (Leya)
Publicado na Folha de S.Paulo, em 13/04/2012.
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