sexta-feira, 14 de setembro de 2012

"Reforma tributária é a próxima prioridade"


Entrevista de Luciano Coutinho ao jornal O Estado de S. Paulo




Qual será a próxima grande reforma da presidente Dilma?

O governo Dilma está trabalhando firmemente para estabelecer fundações para um ciclo de crescimento sustentável. Acredito que mudanças estruturais muito importantes foram a redução dos juros - o que não significa abandonar a estabilidade - e a indução da taxa de câmbio para um patamar mais competitivo.

Essas mudanças configuraram um regime macroeconômico mais benigno para a competitividade da economia. Combinado a isso, tivemos várias iniciativas estruturantes: desoneração da folha de pagamentos, redução do preço da energia, concessões em infraestrutura, entre outras.


O último grande desafio que resta é o aperfeiçoamento do sistema tributário, que é o mais difícil. Por quê?

É o mais difícil porque exige a costura de um consenso político muito amplo. Temos um sistema tributário com multiplicidade de impostos, que ainda tem muita cumulatividade ao longo da cadeia. O problema é que os aperfeiçoamentos batem em fricções entre os setores ou têm impacto na distribuição regional da receita. Mas acredito que a presidenta tem compreensão da questão e ela tem sido muito firme em endereçar os problemas.


Seria uma reforma tributária ampla ou com um foco específico?

Não sei opinar sobre esse tema, porque demanda uma avaliação política complexa. Intuitivamente, acho que por etapas é mais fácil. Uma das prioridades que vejo é desonerar o investimento. Existem cumulatividades ao longo da cadeia que terminam fazendo com que o custo do investimento no Brasil seja mais alto. Mas não é uma iniciativa que depende só do governo federal. O governo está empenhado em construir bases sólidas e duradouras para o crescimento. Estou convencido que crescer aceleradamente por um período, sem qualidade, não é a melhor estratégia para o Brasil.


Como crescer com qualidade?

Crescer com qualidade significa melhorar a capacidade de competir. No nível das empresas, precisamos de um esforço de aumento da produtividade e da inovação. No nível médio, estão os sistemas logísticos, que precisam ser mais eficientes. O terceiro desafio é a redução do custo da energia e o regime macroeconômico mais benigno. É uma estratégia que tem consistência e está ficando clara a partir da perseverança do governo.


O BNDES vai ter um papel importante como financiador nos pacotes. Mas o senhor já disse que o objetivo do governo é reduzir o tamanho do BNDES e dar espaço à iniciativa privada. Como combinar isso?

Esses processos têm um timing. Acredito no potencial de desenvolvimento do mercado de capitais por uma razão simples: a queda dos juros deixou os investidores fora da zona de conforto. A busca por papéis privados com retorno maior vai acontecer naturalmente.

Mas não é realista pensar que o mercado vai sair da liquidez diária para o longo prazo da noite para o dia. Enquanto isso, defendo o BNDES mantendo seu papel de suporte à infraestrutura.


O banco vai precisar de novos aportes do Tesouro?

Possivelmente, sim, mas é difícil dizer o volume. Na margem, o custo financeiro dessas operações para o Tesouro diminuiu muito com a queda da Selic. Não tenho essa conta, mas caiu muito. Os críticos fazem um cálculo estático.


Só que a diferença entre a TJLP e a Selic caiu muito. Quando os investimentos vão se recuperar?

O Brasil teve uma relação de 16% entre o investimento e o PIB por muito tempo. Conseguimos subir para 19% e íamos ultrapassar 20% quando veio a crise. O investimento vai se recuperar já nesse segundo semestre. É uma prioridade essencial. Não poderemos ter o desenvolvimento do País sem elevar a taxa de investimento e de poupança. Será a coroação de todo esse processo.


Ainda dá tempo de elevar essa taxa para 22% a 24% do PIB, que seria suficiente para o crescimento sustentável, no mandato da presidente Dilma?

Acho que sim, mas não temos bola de cristal. Estamos vivendo um período difícil da economia global. Temos interrogações sobre a capacidade de recuperação da economia americana, sobre o desempenho da Europa, sobre a desaceleração da economia chinesa.

É difícil dizer se vamos levar a taxa de investimento para 22%, 23% ou 24% do PIB. Se a economia global ajudar, podemos ir mais longe. Se recebermos um vento de proa, vai ser mais difícil. O que vamos, sim, é aumentar o nível de investimento e poupança no País.


O governo Dilma mudou de postura em relação ao investimento privado?

Na compreensão da presidenta, processos de concessão devem ser ferramentas indutoras de investimentos substanciais, que criam estruturas novas e resultam numa melhor eficácia da alocação dos recursos públicos ao atrair a iniciativa privada. Essa é a filosofia. A concessão é uma ferramenta subordinada a uma grande estratégia, que é promover um ciclo de investimentos. A privatização ou a concessão para fins arrecadatórios é algo que não faz parte da orientação.


As empreiteiras afirmam que 6% de rentabilidade nas concessões de rodovias é inviável. Por que o governo acredita que esse patamar é interessante?

Uma coisa é usar uma taxa de referência nos estudos, outra é a capacidade criativa da iniciativa privada de desenvolver negócios ao redor da concessão. Não tenho preocupação de que vamos atrair investidores e de que teremos intensa concorrência, particularmente nas rodovias. Nas ferrovias é mais difícil, porque alguns trechos são estruturantes. Teremos de construir uma modelagem desafiadora.


Depois do anúncio da renovação das concessões, as ações das empresas elétricas caíram muito. Por que o mercado castigou o setor?

A discussão central é o ressarcimento dos investimentos que não foram amortizados. Há uma discussão eminentemente técnica a respeito da indenização devida pelos investimentos mais recentes. Confio que num debate técnico, que vai ser feito no âmbito da Aneel, os concessionários terão a possibilidade de fazer valer o seu ponto de vista. O governo fez uma avaliação e as empresas podem optar por não aceitar. No caso de as concessões caducarem, serão revisitadas e é um debate contábil, que não vou tecer comentários. Fiz apenas uma avaliação conceitual. Esse processo terá de ser feito caso a caso na Aneel. Talvez o mercado tenha sobrerreagido. Num primeiro momento, é natural.


Alguns especialistas acham que o BC vai ter de elevar juros no ano que vem. Qual é a sua opinião?

Primeiro, há um impacto desinflacionário relevante da queda do preço da energia na inflação. Podemos discutir se é uma queda de 0,5%, 0,6% ou 0,7%. Alguns disseram até 1%. Mas haverá um impacto que precisa entrar na conta. Segundo, o quadro desinflacionário global das commodities é algo plausível. Vai depender de quão intensa for a desaceleração da China. O governo tem absoluta clareza sobre o valor essencial da estabilidade e que a missão do Banco Central é manter a estabilidade ao menor custo financeiro possível. De maneira que, se o cenário ajudar, é possível que não tenha (de subir os juros).

Mas não me cabe opinar. Na verdade, não é relevante. O relevante é que foram removidos 500 pontos básicos da taxa de juros. Se o BC tiver em algum momento de subir os juros, vai fazer a partir de um patamar muito mais baixo, consistente com os excelentes fundamentos da economia brasileira. É incomparável a situação fiscal do Brasil com outros países.


Qual é a perspectiva de crescimento da economia para o fim do ano e para 2013?

O terceiro trimestre já será melhor. Há indícios disso. Houve melhora, inclusive, na produção. Os indicadores antecedentes de máquinas e equipamentos apontam que vai melhorar.

No quarto trimestre, vamos estar crescendo a 4%. É um crescimento razoável para o Brasil. Precisamos de um aumento firme de produtividade, ganhos de competitividade e de elevar as taxas de investimento e poupança do País. Tenho dito dentro do BNDES: ser grande deixou de ser tão importante quanto a qualidade. Mais importante daqui para frente é a qualidade.


*Luciano Coutinho é presidente do BNDES
Publicado em O Estado de S.Paulo, em 14/09/2012.

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