Filipe Campante
A maioria dos observadores da atual turbulência no mundo árabe concorda em um aspecto: foi inesperada.
No entanto, fatores plenamente visíveis -relacionados à educação, à demografia e à falta de oportunidades econômicas- já apontavam para maior instabilidade.
Está fartamente documentado que pessoas mais educadas são mais propensas a participar de atividades políticas -do voto aos protestos.
No entanto, como demonstra pesquisa conjunta minha com o professor Davin Chor, da Singapore Management University, essa ligação condiciona-se à disponibilidade de oportunidades.
Habilidades adquiridas pela educação conduzem a aumento da disposição de se envolver em política e da efetividade do envolvimento.
Contudo, se elas são recompensadas em outras atividades, é menos provável que sejam utilizadas para fins políticos. Os países onde as oportunidades são abundantes exibem menos engajamento político por parte de pessoas instruídas -precisamente o tipo de envolvimento que é mais assustador para os regimes autoritários.
O mundo árabe não tem sido um modelo de dinamismo econômico. As economias da região não são voltadas para atividades que usam intensivamente o "capital humano" adquirido via educação.
Menos reconhecido é o fato de que vários desses países estão entre os que mais têm investido em educação. Dados compilados para 104 países pelos economistas Robert Barro e Lee Jong Wha mostram que, entre 1980 e 1999, o Egito foi o quinto país onde mais cresceram os anos de escolaridade média -135%.
A Tunísia vem não muito atrás, com mais de 70% de aumento. De nove membros da Liga Árabe incluídos, oito encontram-se entre os 25 países no topo da lista.
Há portanto um cenário no qual uma enorme quantidade de jovens árabes encontra-se muito mais educada que seus pais e avós. Na falta de oportunidades econômicas, esse contingente dedica as habilidades adquiridas às atividades políticas -das páginas do Facebook à organização de protestos.
Ao investirem em educação sem proporcionarem oportunidades condizentes, os autocratas árabes contribuíram enormemente para a situação que ora os aflige -para sorte da democracia.
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FILIPE CAMPANTE é professor-assistente de políticas públicas da Universidade Harvard
* Publicado na Folha de S.Paulo, em 18/02/2011.
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