Vladimir Safatle
Quando o governo resolveu, enfim, denunciar a
"lógica perversa" que guia o sistema financeiro brasileiro, era de
esperar que os consultores e economistas regiamente recompensados pelos bancos
aparecessem para contemporizar. Como em uma peça de teatro na qual as máscaras
acabam por cair, foi isto o que ocorreu.
Há algo de cômico em ver adeptos do livre
mercado e da concorrência procurando argumentos para defender uma banca de
oligopólio especializada em espoliar os brasileiros com "spreads"
capazes de deixar qualquer banco mundial corado de vergonha.
Se os bancos brasileiros estão entre os que
mais lucram no Universo, é porque nunca precisaram, de fato, viver em um
sistema no qual o poder estatal impediria a extorsão institucionalizada à qual
ainda estamos submetidos.
No mundo inteiro, o sistema bancário faz jus
à frase do dramaturgo Bertolt Brecht: "O que é roubar um banco se você
imaginar o que significa fundar um banco?".
Nos últimos anos, vimos associações bancárias
com comportamentos dignos da máfia, pois são especializadas em maquiar dados e
balanços, criar fraudes, ajudar a evasão fiscal, operar em alto risco e passar
a conta para a frente, além de corromper entes públicos.
Mas a maior astúcia do vício é travestir-se
de virtude. Assim, o sistema financeiro criou a palavra "austeridade"
a fim de designar o processo de assalto dos recursos públicos para pagamento de
rombos bancários e "stock-options" de executivos criminosos, com a
consequente descapitalização dos países mais frágeis.
Se não tivemos algo da mesma intensidade no
Brasil, vemos agora um processo semelhante do ponto de vista retórico. Assim,
os "spreads" bancários seriam o resultado indigesto do risco alto de
inadimplência, já que a população brasileira teria o hábito pouco salutar de
não pagar suas dívidas e se deixar endividar além da conta.
Neste sentido, os lucros bancários seriam
(vejam só vocês) o remédio amargo, porém necessário, até que a população
brasileira aprenda a viver com o que tem e assuma gastos de maneira
responsável. O mais impressionante é encontrar pessoas que se acham capazes de
nos fazer acreditar nessa piada de mau gosto.
A verdade é que quanto menos poder e margem
de manobra o sistema financeiro tiver, melhor é a sociedade. Há sempre aqueles
"consultores" que dirão: "É fácil falar mal dos bancos",
apresentando o espantalho do populismo. A estas pessoas devemos dizer:
"Sim, é fácil. Ainda mais quando não se está na folha de pagamento de
um". Já sobre o "risco" do populismo, pobres são aqueles para os
quais a defesa dos interesses econômicos da população sempre é sinal de
irracionalidade.
Publicado na Folha de S. Paulo, em 08/05/2012.
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