quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Irã deve ser a prioridade imediata para Obama

Henry Kissinger



Depois de uma exaustiva campanha eleitoral, o desafio para o presidente Barack Obama é encontrar uma maneira de impedir que o Irã continue seu programa nuclear militar. Presidentes de ambos os partidos declararam há muito que, para atingir esse objetivo, "nenhuma opção está previamente descartada". No terceiro debate presidencial, ainda que com formulações distintas, falando em impedir uma "arma nuclear" ou a "capacidade de produzir uma arma nuclear" (Obama); ou um "Irã com capacidade nuclear" (Mitt Romney), os dois concordaram que essa é uma questão em que está em jogo o interesse dos EUA. Enquanto o Irã continua a ampliar sua capacidade de enriquecimento de urânio e a transportá-la para instalações subterrâneas, o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, estabeleceu abril como prazo final para uma reação. Nesse ambiente conturbado, que significado operacional deve ser dado aos objetivos dos EUA?

Aparentemente, os EUA e o Irã vêm conduzindo negociações bilaterais - uma mudança em relação ao procedimento anterior, com base em conversas multilaterais. O histórico das negociações em torno do programa nuclear iraniano não é encorajador. Por mais de uma década, o Irã só fez protelar, primeiro com o chamado UE-3 (França, Alemanha e Grã-Bretanha), e então com o P5+1 (os países-membros do Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha). Enquanto alternavam sinais de uma possível flexibilização com períodos de intransigência, os iranianos tratavam de expandir, ocultar e dispersar suas instalações nucleares. Se nenhum limite for imposto a esse processo, o progresso tecnológico do Irã dominará os acontecimentos. Mas em que estágio, e de que maneira, o Irã deve ser privado de uma capacidade nuclear militar?

São três as etapas envolvidas no desenvolvimento de uma capacidade nuclear militar: um sistema de descarga, a capacidade de enriquecer urânio e a produção de ogivas. O Irã vem aumentando o alcance e o número de seus sistemas de mísseis desde, pelo menos, 2006. Sua capacidade de enriquecimento - que por muito tempo foi subestimada nos relatórios elaborados pela Agência Internacional de Energia Atômica - foi expandida para milhares de centrífugas (os aparelhos que enriquecem o urânio). O nível ultrapassa qualquer definição razoável de usos pacíficos autorizados pelo Tratado de Não Proliferação. O fim inevitável desse processo é uma arma nuclear.

Seria inviável determinar, como sugerem alguns, um ponto a partir do qual as negociações seriam abandonadas em favor de ações unilaterais. Assim que a quantidade necessária de material físsil é produzida, as coisas ficam mais fáceis: construir e equipar uma ogiva é um processo relativamente curto e tecnologicamente simples - e seria quase impossível detectar isso em tempo hábil.

Se o que emergisse de uma década de esforços diplomáticos empreendidos pelos membros do Conselho de Segurança fosse uma linha vermelha tão ineficaz, o resultado seria uma proliferação nuclear essencialmente incontrolável por toda uma região já convulsionada por revoluções e conflitos sectários sangrentos. Assim, o Irã conquistaria o mesmo status da Coreia do Norte, com um programa nuclear militar na iminência de se tornar operacional.

Os países com opção nuclear competiriam para reduzir o tempo necessário para completar sua capacidade. Ao mesmo tempo, países à mercê do poderio militar iraniano, mas sem uma opção nuclear, seriam levados a reorientar seu alinhamento político, aproximando-se de Teerã. As tendências reformistas que se manifestaram na Primavera Árabe seriam engolfadas por esse processo. O objetivo de redução global de armas nucleares, acalentado pelo presidente Obama, sofreria um golpe - talvez fatal.

Cenários. Alguns argumentam que, mesmo no pior dos cenários, um Irã nuclear poderia ser contido com uma estratégia de dissuasão. No entanto, isso ignora as realidades imensamente dispendiosas, complexas e carregadas de tensão que marcavam essa estratégia na época da Guerra Fria, além de fazer pouco da inclinação apocalíptica da teocracia iraniana e da quase certeza de que várias potências regionais conquistarão sua capacidade nuclear, se o Irã o fizer.

A partir do momento em que um equilíbrio nuclear for forjado em condições em que as tensões não são mais puramente bilaterais, como na Guerra Fria, e envolvendo países ainda em desenvolvimento, cuja tecnologia para prevenir acidentes é rudimentar, a probabilidade de disparos nucleares aumentará dramaticamente.

É por isso que os Estados Unidos insistem em impor limites ao enriquecimento iraniano, restringindo o acesso aos elementos precursores de uma arma. Ao abandonar a exigência original de acabar com todo o enriquecimento, o P5+1 considerou que níveis de material físsil seriam compatíveis com os usos pacíficos autorizados pelo Tratado de Não Proliferação. Quanto mais alto o nível de enriquecimento, menor o tempo necessário para obter resultados militarmente aplicáveis. A opinião predominante é que o limite mais alto que seria praticável aplicar corresponde a um enriquecimento de 5%, e isso só se todo o material físsil que ultrapassasse esse teto fosse mantido em um lugar seguro, fora do Irã.

O tempo disponível para uma solução diplomática encolhe na proporção direta em que cresce a capacidade de enriquecimento dos iranianos e em que eles se aproximam de uma capacidade nuclear militar. Assim, o processo diplomático precisa chegar a um ponto de decisão. O P5+1 - ou os Estados Unidos unilateralmente - precisa estabelecer um programa preciso para reduzir o enriquecimento iraniano com prazos específicos.

Isso não implica em traçar uma linha vermelha autorizando qualquer país a optar pela guerra. Por mais respeitosos que sejamos com os pontos de vistas de nossos amigos, a decisão final sobre a paz ou a guerra deve permanecer nas mãos do presidente. Por que negociar com um país que demonstra tamanha hostilidade e adota estratégias tão evasivas? Precisamente porque a situação é muito delicada. Pode ser que a diplomacia chegue a um acordo aceitável. Ou seu fracasso mobilizará o povo americano e o mundo. Isso deixará claro as causas do agravamento da crise, até o nível de uma pressão militar ou da aquiescência derradeira com um programa nuclear iraniano. Qualquer um dos resultados demandará o empenho em enxergar suas implicações últimas. Não podemos nos permitir outro desastre estratégico.

Se o Irã demonstrar a disposição de se comportar como um Estado-nação, e não como uma causa religiosa revolucionária, e desde que aceite verificações, suas preocupações com segurança devem ser levadas a sério, incluindo um gradual relaxamento das sanções, conforme os limites estritos ao enriquecimento forem implementados e aplicados.

Mas o tempo urge. É preciso fazer Teerã entender que a alternativa a um acordo não é simplesmente mais um período de negociações, e usar as negociações para ganhar tempo terá graves consequências. Uma diplomacia criativa, aliada a uma estratégia determinada, ainda pode ser capaz de evitar uma crise, desde que os Estados Unidos tenham um papel decisivo na definição de resultados aceitáveis.


HENRY KISSINGER É EX-SECRETÁRIO DE ESTADO DOS EUA ENTRE 1973, 1977
Publicado em O Estado de S.Paulo, em 21/11/2012. Publicado originalmente no THE WASHINGTON POST. TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER

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