Suzana Singer
A imprensa vem reproduzindo, com pouco
cuidado e acriticamente, os recados ameaçadores de Marcos Valério, apontado
como o operador do mensalão.
Começou em setembro, quando a
"Veja" publicou que o empresário mineiro disse a amigos e familiares
que o ex-presidente Lula "comandava tudo". E advertiu: "Mas
agora vai todo mundo para o ralo". As declarações foram reproduzidas nos
jornais, inclusive na Folha, antes mesmo de a direção da revista dizer
que estavam gravadas.
Há dez dias, foi a vez de o "Estado
de S. Paulo" noticiar que Valério, em depoimento ao Ministério Público
Federal, "citou Lula, Palocci e Celso Daniel", prefeito de Santo
André assassinado em 2002. Mesmo sem saber bem o que ele disse, o jornal deu o
assunto na manchete.
O depoimento é mantido em sigilo. O
"Estado" explicou ter obtido as informações graças a investigadores.
Revelou, em seguida, que Valério contou ter dado dinheiro para que o PT calasse
pessoas que ameaçavam fazer revelações sobre o caso de Santo André.
No domingo passado, a "Veja",
sem citar a fonte, acrescentou que os chantageados eram o ex-presidente Lula e
o ministro Gilberto Carvalho. Só que na versão da revista, Valério se recusou a
ajudar: "Eu falei assim: nisso aí eu não me meto". Ele seria uma
testemunha inocente.
Há quatro dias, um novo recado foi
enviado, desta vez para os tucanos. Marcelo Leonardo, advogado de Valério,
lembrou que seu cliente também fez revelações importantes sobre o
"mensalão mineiro", que não teriam sido devidamente investigadas em
2007.
No contexto do julgamento do mensalão,
seria preciso muito sangue-frio para ignorar os petardos do
"homem-bomba". Mais ainda para esperar por provas.
Mas dá para fazer uma cobertura muito
mais crítica, explicitando os interesses de Marcos Valério e investigando se as
suas denúncias fazem algum sentido.
É fundamental também deixar claro para o
leitor que o empresário mineiro não falou com a imprensa -a "Veja"
não diz que o entrevistou, o "Estado" não publicou transcrições do
depoimento e a Folha reproduziu os concorrentes.
É muito diferente da entrevista que
Roberto Jefferson deu à jornalista Renata Lo Prete, na Folha em 2005, e
que deu origem ao escândalo do mensalão. O então deputado federal, mesmo tendo
muito a perder, descreveu o esquema de corrupção de parlamentares. Jefferson
foi gravado e fotografado.
O que está sendo divulgado agora é o que
Marcos Valério teria dito a terceiros. Numa espécie de "telefone sem
fio", a imprensa amplifica as ameaças de um homem já condenado a 40 anos
de prisão.
Publicado na Folha de S.Paulo, em 11/11/12.
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