Marta Suplicy
O modelo "realpolitik" se
esgotou e parece que nem todos estão percebendo. Não dá mais para viver essa
praga que se entranhou no sistema político brasileiro. Erva daninha que corrói
valores, exclui a participação, nega a democracia, desestimula o mérito e
ignora a ética.
Nascida na Alemanha, a expressão
"realpolitik", segundo Luis Fernando Verissimo, é um termo invocado
quando um acordo ou arranjo político agride o bom-senso ou a moral.
Os cidadãos eleitores, que ainda se dão ao
trabalho de acompanhar a política, não suportam mais essa prática. Podem até
entender a necessidade das composições, alianças e acordos que se tornaram imprescindíveis
no Brasil muito em função do nosso sistema eleitoral, do número de partidos e
do quanto tornou-se precioso o tempo de TV.
Os que criticam essa modalidade e as
formas de fazer política, vistas como "normais" há décadas, têm hoje
consciência de que elas são um terrível mal que compromete a ação de governar.
Mas quando, pela sua simbologia, ferem os limites do bom-senso e têm a marca do
estapafúrdio, tornam-se incompreensíveis para a população e são por ela
rechaçadas. Encontram-se além dos limites da própria "realpolitik".
Os sentimentos de indignação, insatisfação
e, por fim, impotência estão fazendo com que uma parcela grande das pessoas se
desinteresse pela política. A maioria dos jovens quer distância. E o povo, mais
escolado, começa a achar "tudo igual", o que acaba provocando o mesmo
desinteresse.
A luta pela democracia no Brasil conseguiu
eletrizar forças e corações que não suportavam viver num país sob ditadura.
Cada um reagiu à sua maneira. Mas muitos morreram e sofreram pela liberdade.
Esse resgate da democracia é tão importante que não poderia ter sido
contaminado por práticas seculares que nos acorrentam à uma malfadada forma de
fazer política. Esta mesma que aliena o povo que se vê --e se sente-- excluído
e desrespeitado.
Mas nem tudo está perdido. Tem gente
formulando, e outros remoendo, novas práticas e métodos, buscando diferentes
formas e canais de interação social e política. Um novo modelo que contemple e
dialogue com os vários segmentos e forças heterogêneas da sociedade. Uma
construção distante dos métodos agonizantes e ultrapassados que ainda hoje
vigoram. Uma transição necessária, e imprescindível, que já passou da hora de
acontecer.
Não está claro como, e em quanto tempo, se
dará o nosso processo de libertação da chamada "realpolitik". Mas,
que esse sistema político e eleitoral que vivemos chegou à exaustão, tenho
clareza."
Publicado na Folha de S.Paulo, em 23/06/2012.
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