Clóvis Rossi
Enquanto via, pela CNN em espanhol, a
deposição do presidente paraguaio Fernando Lugo, não conseguia evitar que a
memória viajasse 38 anos ao passado, para a queda de Isabelita Perón, na
Argentina, em 1976.
Eu estava, na madrugada do golpe, na
histórica Plaza de Mayo e não conseguia entender como a então chefe do
movimento de massas mais forte da história latino-americana, o peronismo, era
apeada na mais completa solidão.
Contei os militantes peronistas que davam
vivas a Isabelita. Eram 24. Nenhum mais.
Claro que há insalváveis distâncias entre
a Plaza de Mayo de 1976 e a Plaza de Armas de Assunção em 2012. Eram bem mais
de 24 os militantes pró-Lugo ali reunidos. Mas a solidão política era parecida
e foi ela, bem feitas as contas, a responsável pela queda de Lugo.
Uma segunda diferença é ainda mais
relevante: na Argentina, foram os tanques que depuseram a presidente. No
Paraguai, foi o Congresso, seguindo regras constitucionais, respeitadas na
forma, mas não no espírito, posto que o direito de defesa foi violentado.
Nem se espera, agora, que o novo governo
inicie um genocídio, ao contrário do que ocorreu na Argentina. A América Latina
evoluiu, pois.
Falta, no entanto, evoluir na
institucionalização de sua política, para não depender de homens supostamente
providenciais.
Não que Lugo fosse um líder com a aura
que, por exemplo, Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez construíram, com
diferentes métodos. Sua vitória foi um triunfo isolado, não de um movimento
(como, por exemplo, o PT).
Teve que recorrer a um partido
tradicional, o Liberal Radical Autêntico, para poder governar. Quando o PLRA o
abandonou, caiu sem pena nem glória.
"Quando não se tem uma força política
com certa raiz no país, é muito difícil governar", constata Eduardo
Gamarra, boliviano que leciona na Universidade Internacional da Flórida.
Segundo problema que a América Latina não
consegue resolver: a obscena distribuição da renda. No caso do Paraguai, dá-se
que 1% dos proprietários rurais detêm 77% das terras, ficando apenas 1% para os
40% de camponeses donos de menos de cinco hectares.
Enquanto 350 mil famílias sem terra se
tornaram "carperas" (vivem em "carpas", barracas de lona em
espanhol), 351 proprietários são donos de 9,7 milhões de hectares.
Alguma surpresa que haja conflitos pela
terra, um deles exatamente o que acabou sendo o pretexto para a deposição de
Lugo, com a morte de 17 pessoas, policiais e sem-terra, na semana passada?
Se Lugo alguma culpa tem nessa história,
não é a de ter ordenado ou provocado o incidente, mas o de não ter conseguido
fazer a reforma agrária que prometeu ao assumir em 2008. Pretendia retomar para
o Estado um total de 8 milhões de hectares, para depois dividi-los entre as
famílias (300 mil então) que pediam a democratização do acesso à terra.
Se a tivesse executado, talvez caísse até
antes, que os "terratenientes" são impiedosos, mas talvez não
estivesse tão solitário.
Publicado na Folha de S.Paulo, em 24/06/2012.
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