Pombos e urubus
Marcelo Coelho
São repulsivas -não tenho outra
palavra- algumas das reações que aparecem na internet contra o voto de Ricardo
Lewandowski no julgamento do mensalão.
Absolvido João Paulo Cunha, os insultos
começaram pelo Facebook. Circula, por exemplo, um quadro com o rosto de todos
os ministros do STF. Abaixo da foto de Joaquim Barbosa, uma palavra escrita em
verde: "patriota". Para Lewandowski, em vermelho, o estigma:
"vendido".
Outra mensagem, tarjada de preto, traz a foto
do ministro e um aviso: "Saiba de uma coisa -o povo brasileiro tem
vergonha de você".
Escreve-se também que Lewandowski foi
secretário de administrações petistas em São Bernardo do Campo. Logo,
"levou a vida na boquinha". E que foi indicado juiz "pela
aberração que é o quinto constitucional, uma vaga que não depende do concurso
público". Trata-se do sistema que faz advogados e promotores ingressarem
na magistratura, evitando que só juízes de carreira cheguem aos postos mais
altos da hierarquia.
Todo ministro do Supremo chega lá por
indicação presidencial, e Joaquim Barbosa foi tão indicado por Lula quanto
Lewandowski.
Assim como não faz sentido dizer que o
"patriota" Barbosa está a serviço da "direita golpista", é
muito primitivo dizer que Lewandowski absolveu João Paulo por ter sido
secretário de uma prefeitura petista em 1984. Informação, aliás, errada. Ele
foi secretário de uma administração do PMDB em São Bernardo.
Duvido que a maioria dos indignados com o
voto de Lewandowski tenha se dado ao trabalho de seguir a longa exposição que
ele fez no tribunal. Outros ministros poderão contestá-la já na segunda-feira.
Mas o nível de detalhamento e fatualidade da questão ultrapassa, certamente, a
disposição dos que se indignam com preguiça.
Remeto ao outro voto de Lewandowski, o que
condenou (repito, condenou) Henrique Pizzolato e Marcos Valério.
A um dado momento da exposição, tratava-se de
saber se aqueles brindes promocionais, e mais particularmente as Agendas Pombo,
davam a Marcos Valério o direito de reter para sua agência publicitária o
desconto denominado bônus de volume.
Para Lewandowski, a irregularidade saltava
aos olhos ("ictu oculi", disse ele). Marcos Valério incorreu em crime
ao ficar com o dinheiro oferecido pelas Agendas Pombo. Bônus de volume só cabem
às agências quando fazem anúncios em jornais ou emissoras de TV.
É possível que, nesse caso, Lewandowski tenha
sido severo demais. As agendas Pombo são forma de propaganda, tanto quanto um
anúncio no rádio.
Há quem diga, e não parece absurdo, que mesmo
os planos de milhagem de uma companhia aérea são bônus de volume.
Você ganha milhas quanto mais viaja -mesmo
que tenha sido seu empregador quem pagou a passagem. Ficou com as milhas para
você? Considere-se corrupto também.
Publicado na Folha de S.Paulo, em 26/08/2012.
O crivo do contraditório
Melchiades
Filho
As rusgas e desacordos entre relator e
revisor não atrapalham nem comprometem o julgamento do mensalão. Pelo
contrário. Tornam-no mais dinâmico e justo.
Joaquim Barbosa, o relator, tem sido duro com
os réus. Sua decisão de fatiar o exame do caso facilita a compreensão do
esquema criminoso. Quem jogava na confusão ficou desesperado; quem insistia na
tecla de que o mensalão não passava de uma "farsa" foi exposto ao
ridículo.
Em seu voto substantivo e substancioso,
Barbosa não só corroborou as conclusões de uma CPI (presidida por um petista),
da Polícia Federal e de dois procuradores-gerais da República. Foi além.
Mostrou que existem provas, de sobra, do desvio de dinheiro público -seja para
o enriquecimento ilícito de sanguessugas do Estado, seja para a compra de apoio
político ao governo Lula.
Ricardo Lewandowski, o revisor, tem recebido
críticas -não sem razão- por ignorar conclusões da PF e dar excessivo crédito
aos testemunhos de correligionários dos réus. Mas suas divergências de
encaminhamento têm sido ponderadas. É importante seu alerta para que ritos e
direitos não sejam atropelados.
As patrulhas se atiçam. O revisor é acusado
de operar para evitar ou atrasar as condenações; o relator, de tramar a entrega
expressa de cabeças à opinião pública. Este, leviano; aquele, complacente. É do
jogo.
O que interessa: Barbosa se contrapõe a quem
aposta na impunidade, e Lewandowski, aos que anseiam pelo linchamento geral e
irrestrito.
Ainda que pontuado por arroubos de vaidade,
esse contraditório faz bem ao Judiciário. Indica que não há cartas marcadas no
plenário do STF. Contribui para legitimar o julgamento e os vereditos que hoje
devem começar a ser proferidos. Algo valioso num caso com tantas repercussões
políticas e jurídicas.
Em tempo: Barbosa, a partir de novembro, e
Lewandowski serão os próximos presidentes do STF.
Publicado na Folha de S.Paulo, em 27/08/2012.
* * *
Janio de
Freitas
Culpados
ou não
Dois erros comprometedores da
acusação, cometidos e repetidos pelo procurador-geral Roberto Gurgel e pelo
ministro-relator Joaquim Barbosa, no julgamento do mensalão, poderiam ser muito
úteis aos ansiosos por condenações gerais, prontos a ver possíveis absolvições
como tramoia.
A acusação indicou que a SMPB, agência
publicitária de Marcos Valério, só realizou cerca de 1% do contrato de
prestação de serviços com a Câmara dos Deputados, justificando os restantes
99%, para efeito de recebimento, com alegadas subcontratações de empresas.
A investigação que concluiu pela existência
desse desvio criminoso foi da Polícia Federal, no seu inquérito sobre o
mensalão. Iniciado o julgamento, várias vezes ouvimos e lemos sobre o desvio só
possível com o conluio entre a agência e, na Câmara, interessados em
retribuição por sua conivência.
O percentual impressionou muito. Mas o desvio
não foi de 99%.
O ministro Ricardo Lewandowski, revisor da
acusação feita pelo relator e, por tabela, da acusação apresentada pelo
procurador-geral, deu-se ao trabalho de verificar os pagamentos feitos pela
SMPB, para as tais subcontratações referidas pela acusação.
Concluiu que os pagamentos por serviços de
terceiros, alegados pela agência, estavam bastante aquém do apresentado na
acusação: cerca de 87% do contratado com a Câmara.
Como admitir que um inquérito policial
apresente dado inverídico, embora de fácil precisão, com gravíssimo
comprometimento das pessoas investigadas?
E como explicar que o Ministério Público, nas
pessoas do procurador-geral e dos seus auxiliares, acuse e peça condenações sem
antes submeter ao seu exame as afirmações policiais? E o que dizer da inclusão
do dado inverídico, supõe-se que também por falta de exame, na acusação
produzida pelo relator? Isso já no âmbito das atribuições do Supremo Tribunal
Federal.
O erro de percentual está associado a outro,
de gravidade maior. Assim como não houve os 99%, não houve a fraude descrita na
acusação, ao que constatou o ministro revisor.
Os pagamentos às supostas empresas subcontratadas
foi, de fato, pagamento de publicidade institucional da Câmara de Deputados nos
principais meios de comunicação, com o registro dos respectivos valores. O
percentual gasto foi adequado à média de 85% citada por publicitários ouvidos
para o processo.
Faltasse a verificação feita pelo revisor
Lewandowski, o dado falso induziria a condenações -se do deputado João Paulo
Cunha, de Marcos Valério ou de quem quer que fosse já é outro assunto.
Importa é que, a ocorrer, seriam condenações
injustas feitas pelo Supremo Tribunal Federal. Por desvio de veracidade.
Uma das principais qualidades da democracia é
o julgamento que tanto pode absolver como condenar, segundo os fatos conhecidos
e a razão. É o que o nosso pedaço de democracia deve exigir do julgamento do mensalão.
Publicado na Folha de S.Paulo, em 26/08/2012.
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