Elio Gaspai
Em agosto, quando o candidato Fernando
Haddad prometeu a criação de um Bilhete Único Mensal, pelo qual o cidadão
poderia comprar um passe livre para os ônibus municipais, a marquetagem tucana
acusou-o de propor uma taxa, um "bilhete mensaleiro".
Dividia-se o eleitorado em dois grupos.
Um, que já foi a Londres, Nova York ou Paris e sabia que esse tipo de bilhete
com desconto não é uma taxa, pois ninguém é obrigado a comprá-lo. Noutro grupo
estava a população que usa os ônibus. Para ela, bastava fazer a conta: se o
novo bilhete custar R$ 150 e o cidadão fizer duas viagens por dia, a tarifa de
R$ 3 cai para R$ 2,50.
Com o início da propaganda eleitoral
gratuita Haddad tinha 16% nas pesquisas, bem atrás dos 35% de Celso Russomanno,
que sobrevivia ao raquitismo de seu tempo de exposição e de uma ofensiva de
parte da hierarquia católica. Uma semana antes da eleição, o "fenômeno
Russomanno" começou a evaporar. Na véspera, tinha 27% das preferências.
Abertas as urnas, ficou com 22%, fora do segundo turno. O que houve? No final
de setembro Russomanno prometera a cobrança de tarifas diferenciadas nas
viagens de ônibus. Simples assim: quem anda muito pagaria mais, como quem viaja
muito é o trabalhador, lá vinha tunga. Até hoje a explicação mais convincente
para a implosão de Russomanno está na migração dos eleitores mais pobres.
Perceberam o perigo e saltaram.
O tucanato, que condenara o Bilhete
Único Mensal acordou e, no segundo turno, correu atrás, propondo a extensão da
sua validade. Desde 2004, quando a prefeita Marta Suplicy foi a primeira a
instituir essa modalidade de tarifa numa grande cidade brasileira, governantes
e candidatos do PSDB olham para a iniciativa com cara feia. Primeiro porque
criticavam-na nos seus aspectos técnicos. Depois, porque ela parecia coisa do
adversário. Acordaram com oito anos de atraso.
É uma exagerada temeridade atribuir o
resultado eleitoral de São Paulo ao item do Bilhete Único, mas certamente ele
foi um dos ingredientes do naufrágio, pela percepção oferecida ao eleitorado.
No primeiro turno uma parte dele saltou de Russomanno porque o doutor queria
cobrar mais caro pelas tarifas de quem fica duas horas no ônibus para chegar ao
trabalho. Não se deve esquecer que os transportecas da prefeitura defenderam a
instituição do pedágio urbano para veículos sobre pneus numa cidade em que a
municipalidade nada cobra pelos pousos de helicópteros. Com uma cabeça dessas,
um candidato tucano poderá ganhar a eleição em Fort Worth, no Texas, pois lá
está a fábrica das aeronaves Bell.
A renovação de que o PSDB precisa e que
o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vocalizou é de nomes mas, sobretudo,
de ideias. Não só de propostas novas, mas sobretudo de uma faxina nas velhas,
demofóbicas. Os candidatos do PSDB deveriam ser obrigados a usar a rede de
ônibus todos os dias, durante pelo menos uma semana. A experiência valeria mais
que sete seminários com ex-ministros tucanos reapresentando ideias de um
governo que acabou em 2002. Algo como barões do Império amaldiçoando a
República em 1899, durante o governo Campos Salles.
Publicado na Folha de S.Paulo, em 31/10/2012.
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