Michael
Kepp
O que
mais chamou minha atenção no atirador que ontem matou pelo menos 12 pessoas num
cinema do Colorado onde "Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge"
estava sendo exibido foram a máscara de gás, o colete à prova de balas, o
capacete e as três armas que ele usou -incluindo um fuzil.
Uma
testemunha disse que ele "parecia preparado para ir à guerra".
Alguns
podem dizer que o fato de o atirador parecer um soldado é um reflexo de todas
as guerras que minha pátria vem travando, do Vietnã ao Iraque e ao Afeganistão,
e de quão fortemente armados estão os seus cidadãos.
Mas há
fatores menos óbvios que também fazem dos Estados Unidos um terreno fértil para
chacinas.
Acho que
a alienação social e a pobreza espiritual necessárias para cometer assassinatos
em massa são um produto da cultura americana, mais que de qualquer outra.
É uma
sociedade altamente competitiva e individualista, com pouco sentimento de
comunidade. Cerca de 25% dos americanos vivem sós.
Não
surpreende que as chacinas, incluindo a de ontem no Colorado, sejam quase
sempre cometidas por homens brancos de classe média, o segmento da população
mais pressionado a ter sucesso e que tem o menor senso de comunidade.
Acho que
o Brasil é um terreno menos fértil para franco-atiradores devido ao senso maior
de comunidade que existe aqui.
Os únicos
crimes dessa natureza dos quais me recordo aqui foram o assassinato de três
pessoas e ferimentos em quatro às mãos de um estudante de medicina em um cinema
de São Paulo, em 1999, e a morte de 12 crianças e ferimentos em outras 11 numa
escola no Rio em 2011, por um ex-aluno de 24 anos.
O
atirador de São Paulo era um fanático da internet, solitário, perturbado e de
alta classe média, o perfil do atirador americano típico.
O
atirador do Rio tinha mais semelhanças com os dois estudantes que mataram 12 de
seus colegas e um professor no colégio Columbine, de classe média, em 1999,
também no Colorado.
O que esses
massacres todos têm em comum: aconteceram em lugares onde as pessoas estavam
reunidas. Normalmente nos sentimos mais vulneráveis quando estamos sozinhos.
Mas, em
lugares como cinemas, estamos mais vulneráveis juntos. É isso o que é tão
assustador nesses crimes todos. É por isso que os americanos podem pensar duas
vezes na próxima vez em que quiserem assistir, não apenas a um filme de Batman,
mas a qualquer filme.
MICHAEL
KEPP,
jornalista americano radicado há 29 anos no Brasil, é autor do livro
"Tropeços nos Trópicos - crônicas de um gringo brasileiro" (Record)
Tradução
de CLARA ALLAIN
Publicado na Folha de S.Paulo, em 21/07/2012.
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