Clóvis Rossi
Você certamente já ouviu falar do "impostômetro",
aquele gigantesco placar que a Associação Comercial de São Paulo montou para
mostrar quanto o brasileiro paga de impostos.
No começo da tarde de ontem, a conta já ia algo além de R$ 855 bilhões este ano. Revoltante, não é? Afinal, ninguém gosta de pagar imposto, ainda mais quando o retorno em serviços é pobre.
No começo da tarde de ontem, a conta já ia algo além de R$ 855 bilhões este ano. Revoltante, não é? Afinal, ninguém gosta de pagar imposto, ainda mais quando o retorno em serviços é pobre.
Mas há a outra face do
"impostômetro", muito mais revoltante, mas que em geral fica nas
sombras em que se move a alta finança. No domingo, o "Observer" jogou
um pouco de luz nos números do que se poderia chamar de
"sonegacionômetro"- ou seja o dinheiro desviado para os paraísos
fiscais.
Um levantamento da Tax Justice Network
mostrou que os paraísos fiscais escondem fabulosos US$ 21 trilhões, pilha que
equivale à riqueza somada dos Estados Unidos e do Japão, a primeira e a
terceira economias do mundo.
Ontem, a Folha expôs o lado local:
brasileiros depositaram de 1970 até 2010 cerca de US$ 520 bilhões (ou mais de
R$ 1 trilhão) nessas contas, nas quais "se pode guardar dinheiro em
razoável sigilo, sem ter de responder a muitas perguntas nem pagar
imposto".
O valor equivale a pouco mais de um quinto
do PIB brasileiro e o arrecadado em impostos nos últimos seis meses e 23 dias.
O autor do estudo, James Henry,
ex-economista chefe da consultoria McKinsey e especialista em paraísos fiscais,
calcula que a metade dos ativos existentes em paraísos fiscais pertencem a
apenas 92 mil pessoas ou 0,001% da população mundial.
Depois, quando aparece um movimento de
protesto contra o 1% mais rico nos Estados Unidos ainda tem gente que o
classifica como radical.
Esconder dinheiro não é ação individual,
relata James Henry: "essa riqueza é protegida por um bando altamente bem
pago de profissionais nas indústrias de 'private banking', jurídica, de
contabilidade e da indústria de investimentos".
Ou seja, o sistema financeiro, o mesmo que
frauda a taxa denominada Libor, que lava dinheiro do narcotráfico, que frauda
as contas públicas da Grécia, por exemplo, está também envolvido nesse esquema
de esconder fortunas.
Sou capaz de apostar que todos os donos
dessas fortunas usam equipamentos públicos, para cuja consecução não
contribuíram com impostos. No Brasil, certamente muitos põem filhos nas
faculdades públicas, embora escondam o dinheiro para não pagar impostos que custeiam
tais escolas.
O pior é que desde a crise de 2008, os
líderes do G20 - exatamente os mais importantes do mundo - pregam o fim dos
paraísos fiscais, que não obstante continuam funcionando - e aumentando o
volume de recursos que movimentam.
Essa distorção, para usar uma palavra
suave, foi apontada com uma das causas da instabilidade financeira global. Como
a instabilidade continua, como os paraísos continuam, só se pode concluir que
quem manda no mundo não são governantes eleitos, mas o que os argentinos chamam
apropriadamente de "pátria financiera".
Publicado na Folha de S.Paulo, em 24/07/2012.
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