quinta-feira, 26 de julho de 2012

Só os ricos vão ao paraíso

Clóvis Rossi

Você certamente já ouviu falar do "impostômetro", aquele gigantesco placar que a Associação Comercial de São Paulo montou para mostrar quanto o brasileiro paga de impostos.
No começo da tarde de ontem, a conta já ia algo além de R$ 855 bilhões este ano. Revoltante, não é? Afinal, ninguém gosta de pagar imposto, ainda mais quando o retorno em serviços é pobre.
Mas há a outra face do "impostômetro", muito mais revoltante, mas que em geral fica nas sombras em que se move a alta finança. No domingo, o "Observer" jogou um pouco de luz nos números do que se poderia chamar de "sonegacionômetro"- ou seja o dinheiro desviado para os paraísos fiscais.
Um levantamento da Tax Justice Network mostrou que os paraísos fiscais escondem fabulosos US$ 21 trilhões, pilha que equivale à riqueza somada dos Estados Unidos e do Japão, a primeira e a terceira economias do mundo.
Ontem, a Folha expôs o lado local: brasileiros depositaram de 1970 até 2010 cerca de US$ 520 bilhões (ou mais de R$ 1 trilhão) nessas contas, nas quais "se pode guardar dinheiro em razoável sigilo, sem ter de responder a muitas perguntas nem pagar imposto".
O valor equivale a pouco mais de um quinto do PIB brasileiro e o arrecadado em impostos nos últimos seis meses e 23 dias.
O autor do estudo, James Henry, ex-economista chefe da consultoria McKinsey e especialista em paraísos fiscais, calcula que a metade dos ativos existentes em paraísos fiscais pertencem a apenas 92 mil pessoas ou 0,001% da população mundial.
Depois, quando aparece um movimento de protesto contra o 1% mais rico nos Estados Unidos ainda tem gente que o classifica como radical.
Esconder dinheiro não é ação individual, relata James Henry: "essa riqueza é protegida por um bando altamente bem pago de profissionais nas indústrias de 'private banking', jurídica, de contabilidade e da indústria de investimentos".
Ou seja, o sistema financeiro, o mesmo que frauda a taxa denominada Libor, que lava dinheiro do narcotráfico, que frauda as contas públicas da Grécia, por exemplo, está também envolvido nesse esquema de esconder fortunas.
Sou capaz de apostar que todos os donos dessas fortunas usam equipamentos públicos, para cuja consecução não contribuíram com impostos. No Brasil, certamente muitos põem filhos nas faculdades públicas, embora escondam o dinheiro para não pagar impostos que custeiam tais escolas.
O pior é que desde a crise de 2008, os líderes do G20 - exatamente os mais importantes do mundo - pregam o fim dos paraísos fiscais, que não obstante continuam funcionando - e aumentando o volume de recursos que movimentam.
Essa distorção, para usar uma palavra suave, foi apontada com uma das causas da instabilidade financeira global. Como a instabilidade continua, como os paraísos continuam, só se pode concluir que quem manda no mundo não são governantes eleitos, mas o que os argentinos chamam apropriadamente de "pátria financiera".

Publicado na Folha de S.Paulo, em 24/07/2012.

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