quinta-feira, 26 de julho de 2012

Quem maltrata mais você?

Moisés Naím

Por quem você se sente mais maltratado? Por sua operadora de telefonia celular? Seu banco? Pelas companhias aéreas? As relações entre as empresas e seus clientes estão carregadas de conflitos de interesses recobertos por uma capa de hipocrisia, publicidade e marketing.
Em última análise, as empresas querem arrancar o máximo possível de dinheiro de seus clientes, e estes querem pagar o mínimo possível.
Criar lealdade à marca e não perder clientes são as principais motivações que levam as empresas a tratar bem seus clientes. Nada de novo. Não obstante, elas insistem em nos convencer de que são nossas aliadas amáveis e que suas decisões sobre preços, qualidade e serviços também são guiadas pela ética.
As coisas não têm ido bem ultimamente para essa ideia. O Barclays, por exemplo, pagou uma multa de US$ 453 milhões por ter manipulado as taxas de juros interbancárias (a Libor, que alguns cínicos agora andam chamando, em inglês, de Lie-More, ou mente-mais).
"Não somos os únicos!", disse o presidente do Barclays antes de renunciar. Jamie Dimon, do JPMorgan, insiste em que os bancos não precisam de mais controles, já que seus valores éticos, seus controles próprios e a concorrência garantem que suas decisões estejam alinhadas com os interesses da sociedade.
Mas Dimon foi surpreendido por perdas ocultas de US$ 2 bilhões no banco (ou US$ 5 bilhões. Ou mais. Ainda não se sabe). Ele se disse indignado com a desonestidade dos banqueiros do JPMorgan (pequeno detalhe: são seus empregados).
Rajat Gupta, o ex-chefe da consultoria McKinsey & Co, acaba de ser condenado por ter passado a seu cúmplice informações secretas e valiosas sobre o Goldman Sachs, empresa da qual Gupta era diretor.
O HSBC também pediu desculpas: em 2007 e 2008, sua subsidiária no México enviou aos EUA US$ 7 bilhões supostamente depositados por cartéis do narcotráfico.
E por falar no México: de acordo com a OCDE, os preços excessivos cobrados pela América Móvil -empresa de telefonia de Carlos Slim- custaram aos consumidores desse país US$ 129 bilhões entre 2005 e 2009. Mas pagar a mais para fazer uma ligação não é tão perigoso quanto tomar um medicamento que, em vez de curar, mata.
A farmacêutica GlaxoSmithKline (GSK) acaba de ser multada em US$ 3 bilhões por promover medicamentos que causam efeitos negativos ou até a morte. O valor é alto, mas não tão alto quanto os US$ 8,2 bilhões que ela lucrou em 2011.
O que está acontecendo? Essa explosão de comportamentos empresariais abusivos e corruptos é algo novo ou simplesmente estamos mais bem informados? As duas coisas.
Mas o certo é que o princípio do "caveat emptor", frase que significa que é o comprador quem deve tomar todas as precauções, porque o risco é todo dele, e não de quem vende, é mais válido que nunca.
A enorme complexidade do comércio moderno coloca os consumidores em desvantagem, mas eles têm acesso a mais informação que nunca sobre o que compram e quem vende a eles. O Barclays e a GSK acabam de descobrir isso.

@moisesnaim
Tradução de CLARA ALLAIN
Publicado na Folha de S.Paulo, em 20/07/2012.

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