Francisco
Toro
Com Hugo Chávez, o ícone da esquerda da América Latina,
mantido no cargo, a questão que prevalece há mais de dez anos sobre o rumo da
região não é "à direita ou à esquerda", mas "que esquerda?"
Analistas estrangeiros com frequência interpretaram a tendência para a
esquerda do continente latino-americano nos últimos 12 anos como um movimento
de líderes numa marcha rigidamente ideológica. Mas dentro da região, as
fraturas sempre foram claras.
Os regimes revolucionários radicais na Venezuela, Equador, Bolívia e
Nicarágua uniram-se a Cuba, o avô da extrema esquerda, formando um bloco
determinado a confrontar o mundo capitalista, mesmo que isso significasse um
governo cada vez mais autoritário.
Um grupo mais moderado de líderes no Brasil, no Uruguai e na Guatemala
ofereceu uma alternativa: reduzir a pobreza implementando importantes reformas
sociais, mas sem dar as costas para as instituições democráticas ou os direitos
da propriedade privada.
Como filho favorito de Fidel Castro, o venezuelano Hugo Chávez sempre
foi o líder da ala radical. E o tamanho e o poder econômico do Brasil tornaram
esse país o líder da ala reformista.
Aparentemente os dois campos se empenham para negar que há divisões.
Houve manifestações de solidariedade e muitos acordos de integração regional.
Por trás das portas fechadas, cada lado com frequência desdenha cruelmente o
outro, com os partidários de Chávez encarando os brasileiros como apaziguadores
pusilânimes da burguesia, ao passo que os brasileiros desprezam o radicalismo
ultrapassado e a incompetência crônica de Chávez.
Há cerca de cinco ou seis anos, existia uma disputa ideológica real. Um
presidente americano bastante impopular inclinado a aventuras militares ajudou
Chávez a congregar o continente contra Washington. Um país após o outro aderiu
ao eixo radical. Primeiro a Bolívia, depois a Nicarágua, Honduras e Equador se
juntaram numa lista cada vez mais longa de radicais em 2005 e 2006.
Hoje a paisagem política se transformou quase que inteiramente. A
vitória de Barack Obama em 2008 corroeu a capacidade desses radicais de reunir
uma oposição ao imperialismo gringo. Inversamente, a alternativa ficou cada vez
mais atraente.
O sucesso espetacular do Brasil e o seu programa para reduzir a pobreza
no país falam por si. Com base em uma estabilidade macroeconômica e
instituições democráticas estáveis, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que
governou o país de 2003 a 2010, conduziu o período mais notável de mobilidade
social que se tem memória na América Latina.
À medida que milhões de brasileiros ascenderam para a classe média, os
excessos autocráticos de Chávez começaram a ser vistos como desnecessários e
indesculpáveis para os venezuelanos. Lula e sua sucessora, Dilma Rousseff,
mostraram que um país não necessita cercear os tribunais, realizar um expurgo
no Exército e politizar o banco central para combater a pobreza. O Brasil prova
isso silenciosamente todos os dias.
Não são apenas as instituições democráticas que sofreram com o
radicalismo de Chávez, mas a economia também.
A tradicional dependência da Venezuela das exportações de petróleo
aumentou, com 96% das suas receitas de exportação vindo do setor petrolífero,
em comparação com os 67% antes de Chávez assumir o governo. As siderúrgicas
nacionalizadas produzem uma fração do aço necessário, forçando o Estado a
importar a diferença. E as concessionárias de energia elétrica, também
nacionalizadas, deixam a maior parte do país no escuro diversas vezes por
semana.
O contraste com a economia empresarial, de alta tecnologia e voltada
para a exportação, do Brasil não poderia ser mais marcante.
Apesar do discurso de transformação radical do presidente venezuelano,
as estatísticas sobre a mortalidade infantil e o analfabetismo entre os adultos
no país não melhoraram mais rápido sob seu governo do que nas várias décadas
antes de ele assumir o poder.
Com as instituições fiscalizadoras neutralizadas, o presidente hoje
governa o país como um feudo pessoal: expropria empresas à sua vontade e
resolve quem deve ser preso.
Os juízes que decidem contra os desejos do governo são comumente
demitidos, um deles até foi preso. O socialismo estilo Chávez parece ser o pior
dos mundos: mais autoritário e menos eficaz na redução da pobreza do que a
alternativa brasileira.
E a região já observou o fato. O momento chave ocorreu em abril de 2011,
quando Ollanta Humala venceu as eleições presidenciais no Peru.
Visto há muito tempo como o mais radical da nova safra de líderes
latino-americanos, Humala venceu com base numa plataforma similar à de Chávez em
2006 e perdeu. No ano passado, ele percebeu a direção em que o vento estava
soprando e se transformou num moderado no estilo brasileiro, venceu e governa -
até agora com sucesso - nos moldes brasileiros.
Chávez enfrentou uma disputa acirrada pela reeleição contra Henrique
Capriles Radonski, governador progressista de 40 anos que exalta o modelo
brasileiro.
Embora o seu governo tenha feito o máximo para pintar uma caricatura de
Capriles como um oligarca de direita ao estilo antigo, ele se insere no estilo
de centro-esquerda brasileiro. Capriles se qualificou como um reformador
ambicioso, mas pragmático e voltado para o social, disposto a pôr fim aos
excessos autoritários da era Chávez.
O restante da América Latina já superou a batalha ideológica na qual a
Venezuela continua atolada. De um modo geral, outras nações fizeram suas
escolhas.
Publicado em O Estado de S.Paulo, em O Estado de S.Paulo, em 09/10/2012. Publicado originalmente no New York Times.
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
FRANCISCO TORO É JORNALISTA, CIENTISTA POLÍTICO E BLOGUEIRO
Nenhum comentário:
Postar um comentário