Benjamin Steinbruch
Era uma
vez um país que, durante muitos e muitos anos, privilegiou os investimentos
financeiros. Quem aplicava o dinheiro no mercado financeiro tinha ganhos bem
superiores à taxa de inflação -ganhos reais, como dizem os economistas.
Nessas
condições, pessoas físicas e jurídicas se acostumaram durante décadas com
rendimentos financeiros que não exigiam nenhum esforço e não representavam
praticamente nenhum risco. Os títulos do governo eram seguros e rendiam sempre
bem mais do que a inflação. Frequentemente, proporcionavam retornos melhores do
que o de operações industriais e comerciais.
Durante
todo o tempo em que esse país foi seguidas vezes campeão (ou vice) mundial dos
juros altos, havia explicações sempre prontas dos especialistas. O país seria
diferente dos demais. Assim, para funcionar como indutor da queda da inflação,
os juros teriam de ser exponencialmente maiores.
Os
empresários diretamente ligados à produção foram, nesse tempo todo, críticos
enfáticos dessa política de juros elevados. Até um empresário que ocupou a
vice-presidência da República por oito anos, o saudoso José Alencar,
destacou-se nessa crítica, mesmo tendo se chocado muitas vezes frontalmente com
alas do governo na área da economia.
Num belo
dia, porém, alguém acendeu uma luz e o discurso já cansativo e repetitivo dos
empresários começou a ser melhor observado. A jabuticaba dos juros desse país
diferente não poderia continuar para sempre. A taxa básica começou então a ser
cortada pelas autoridades monetárias. Em pouco mais de um ano, a taxa foi
reduzida de 12,5% ao ano para 7,5% ao ano. Deixou de ser a mais alta do mundo,
mas continuou ainda distante das demais taxas internacionais, muitas delas
próximas de zero.
Hoje,
tudo indica que esse país está finalmente entrando na era dos juros
civilizados. A batalha atual é para convencer o setor financeiro a reduzir a
diferença entre as taxas que paga ao captar recursos e as que cobra ao
emprestá-los, que os financistas chamam de spread. Ou seja, que os bancos
passem a adotar juros civilizados também na oferta de crédito a pessoas físicas
e jurídicas. Até a presidente da República se envolveu nessa cruzada, fazendo
críticas diretas às taxas de juros dos cartões de crédito. O ministro da
Fazenda chamou-as de "escorchantes".
A palavra
parece apropriada. Sob crítica, as instituições financeiras começaram a baixar
os juros dos cartões. Mas elas continuam ainda bastante elevadas, muitas em
torno de 300% ao ano. Só para se ter uma ideia, entre os países vizinhos desse
país diferente, a mais alta taxa é de 55% ao ano. Os países mais distantes,
mais ricos, têm taxa anual equivalente à mensal desse país diferente.
Ainda há,
portanto, muito a progredir nesse país em matéria de taxas de juros no crédito
tanto a empresas quanto a pessoas físicas. Mas os observadores de tendências,
do ramo das finanças ou leigos no assunto, já notam que a queda dos juros
começa a levar pessoas físicas e jurídicas a investir seu dinheiro diretamente
em atividades mais ligadas à produção.
Pessoas
físicas já procuram fundos imobiliários e outros papéis ligados à construção. À
medida que a situação global tenda a se estabilizar, também buscarão,
certamente, ações de empresas que remunerem bem seus acionistas e mantenham
boas práticas de gestão corporativa.
Além de
reduzir juros, outras medidas vêm sendo tomadas pelo governo desse país
diferente para diminuir custos de produção, como desoneração de folhas de
pagamentos e cortes de impostos.
É uma
tendência muito bem-vinda, porque ela vai estimular exatamente o que esse país
mais precisa: investimentos de médio e de longo prazo. Aumentar o investimento
é crucial para que o objetivo maior do crescimento da produção e do emprego
seja ali cumprido, sem estimulo inflacionário.
Em breve,
se a tendência continuar, chegará a hora da verdade para que esse país deixe de
ser diferente. Nele, certamente continuará sendo possível "viver de
renda", como diziam os antigos.
Mas a
vida, nesses casos, será menos tranquila, porque os ganhos reais cairão, como
em qualquer lugar do mundo. Quem quiser obter rendimentos mais elevados terá de
arregaçar as mangas, investir em operações produtivas de longo prazo e correr
mais riscos. Será um país igual aos outros. Ou, no mínimo, menos diferente.
BENJAMIN
STEINBRUCH, 59,
empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente
do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.
Publicado na Folha de S.Paulo, em 09/10/2012.
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