Barbara Gancia
Está tudo muito bom, está tudo muito bem. E o
"New York Times", o "Financial Times" e o "Times"
de Londres podem estar certos de que o julgamento do mensalão representa um
avanço brutal para a democracia tapuia, como bem notou o nosso monumental
Clóvis Rossi em sua coluna de ontem, mas esta "bastian contraria" (a
expressão é piemontesa) que vos fala veio posar na sua sopa para discordar.
É claro que quem tem culpa que pague o que
deve. E eu também, como todo o resto do Ocidente (excluindo talvez o Suriname,
Cuba e a Cristina Kirchner -que deve sentir coisas por ele), não vou com os
cornos do Zé Dirceu. O homem escondeu a própria identidade da mulher, vive de
amassos com os Castro, não é exatamente exemplo de democrata e
blá-blá-blá-blá-blá.
Acontece que não consigo dissociar a imagem
de Joaquim Barbosa de Torquemada e o julgamento do mensalão da Inquisição.
Estamos assistindo a um massacre e há muito ainda a considerar.
Diziam que o julgamento seria parcial porque
Lula havia escolhido os juízes. Não aconteceu. Aliás, essa desconfiança
preconceituosa me faz lembrar o terceiro mandato de Lula, que não houve.
Enunciavam também que o mensalão ia dar a
vitória a Russomanno em primeiro turno. Não aconteceu. Por sinal, a economia
nem vai tão bem e Haddad lidera as pesquisas.
E Lula, ora, Lula foi o grande vencedor do
primeiro turno (tadinha da Martoca) e vai levar São Paulo de enxurrada, né não?
Fica claro também que a classe média alta que se diz informada, mas que
raramente acaba obtendo colocação profissional fora do âmbito familiar, quer
ver o PT ser varrido do mapa. Essa é a turma que torce como nunca no Fla-Flu do
julgamento do STF.
Nos últimos tempos, até a Dilma eles têm
tratado com um desdém que antes não havia ali. Já para o zé povinho, tanto faz.
Para a perifa, obviamente não só despida de preconceito contra o Lula como
identificada com ele até a alma e beneficiada pelas mudanças sociais,
escândalo de compra de votos da reeleição, anões do Congresso, Sivam, Zé
Dirceu, Collor... é tudo a mesma lasanha.
Eu até concordo que a gente queira ver
canalhas ricos o bastante para contratar advogados top na cadeia. Mas, vem
cá: o Genoino, gente? Todo mundo conhece o Genoino, sabe que ele não vive no
luxo. E não merece o que está acontecendo.
Nesta semana vi gente com sangue nos olhos
dizendo que queria vê-lo atrás das grades. Isso não pode ser sede de justiça.
É outra coisa. É preconceito puro. E olha que o Muro de Berlim já caiu há mais
de 20 anos!
É uma deturpação das mais danosas ao país
colocar na capa da maior revista semanal tapuia uma criança negra e pobre que
subiu na vida pelo próprio esforço como se ela fosse o novo Pelé.
É como se a classe dominante dissesse:
"Os nossos pretos pobres são melhores do que os deles". Os negros
pobres do Lula precisam do Bolsa Família e de cotas para chegar lá. Joaquim
Barbosa (que, note, se declara eleitor do PT) venceu sozinho, não precisou de
"política assistencialista", não é mesmo? Pessoal ainda não entendeu
que não é muleta, mas reparação por séculos de apartheid social.
Seria lição de democracia se do julgamento do
STF constassem não só PT, mas PSDB, DEM etc. Julgar ignorando garantias, sem
direito a recurso e partindo da certeza de que quanto menos provas, maior o
poder do réu e, portanto, hipoteticamente, maior sua culpa, é inverter a
lógica. Isso não pode ser coisa boa, viu, "Times" de Londres?
Publicado na Folha de S.Paulo, em 12/10/2012.
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