Vladimir Safatle
Os
homossexuais tornaram-se os novos reféns da política brasileira. O nível canino
de certos embates políticos fez com que setores do pensamento conservador
procurassem se aproveitar de momentos eleitorais para impor sua pauta de
debates e preconceitos.
Eleições
deveriam ser ocasiões para todos aqueles que compreendem a igualdade como valor
supremo da República, independentemente de sua filiação partidária, lutarem por
uma pauta de modernização social que inclua casamento civil entre pessoas do
mesmo sexo, permissão de adoção de crianças e constituição de família, além da
criminalização de toda prática de homofobia e do engajamento direto do Estado
na conscientização de seus cidadãos. Parece, no entanto, que nunca nos
livraremos de nossos arcaísmos.
Alguns acreditam
que se trata de liberdade de expressão admitir que certos religiosos façam
pregações caracterizando homossexuais como perversos, doentes e portadores de
graves desvios morais. Seguindo tal raciocínio, seria também questão de
liberdade de expressão permitir que se diga que negros são seres inferiores ou
que judeus mentem em relação ao Holocausto.
Sabemos
muito bem, contudo, que nada disso é manifestação da liberdade de expressão. Na
verdade, tratam-se de enunciados criminosos por reiterar proposições sempre
usadas para alimentar o preconceito e a violência contra grupos com profundo
histórico de exclusão social.
Nunca a
democracia significou que tudo possa ser dito. Toda democracia reconhece que há
um conjunto de enunciados que devem ser tratados como crime por fazer circular
preconceitos e exclusão travestidos de "mera opinião".
Não há,
atualmente, nenhum estudo sério em psiquiatria ou em psicologia que coloque o
homossexualismo enquanto tal, como forma de parafrenia (categoria clínica que
substituiu as perversões).
Em nenhum
manual de psiquiatria (DSM ou CID) o homossexualismo aparece como doença. Da
mesma forma, não há estudo algum que mostre que famílias homoparentais tenham
mais problemas estruturais do que famílias compostas por heterossexuais.
Nenhum
filósofo teria, hoje, o disparate de afirmar que o modelo de orientação sexual
homossexual é um problema de ordem moral, até porque a afirmação de múltiplas
formas de orientação sexual (à parte os casos que envolvam não consentimento e
relação com crianças) é passível de universalização sem contradição.
Impedir
que os homossexuais tornem-se periodicamente reféns de embates políticos é uma
pauta que transcende os diretamente concernidos por tais problemas. Ela toca
todos os que lutam por um país profundamente igualitário e republicano.
Publicado na Folha de S.Paulo, em 16/10/2012.
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